quarta-feira, 28 de maio de 2008

Odisséia



O amor foi à função.
Bebeu, cantou e bailou: estava muito excitado, tiveram de levá-lo para casa e prendê-lo no quarto para que repousasse.
No dia seguinte o amor bailou e cantou sem beber, e era sempre primavera nos seus modos e falas.
O amor viajou, voltou, fazia piruetas, trocadilhos, esculturas, criava línguas e ensinava-as de graça. Todos o queriam para companheiro, paravam de guerrear para abraçá-lo, jogavam-lhe moedas, que ele não apanhava, gerânios que oferecia às crianças e às mulheres.
O amor não adoecia nem ficava mais velho, resplandecia sempre, havia quem o invejasse, quem inventasse calúnias a seu respeito, o amor nem ligava.
Cercaram sua casa de madrugada, meteram-lhe a cabeça num saco preto, conduziram-no a um morro que dava para o abismo, interrogaram-lhe, bateram-lhe, ameaçaram jogá-lo no precipício, jogaram. O amor caiu lá embaixo, aos pedaços, mas se recompôs e foi preso outra vez, aplicaram-lhe choques elétricos, arrancaram-lhe as unhas, os dedos, o amor sorria e quando não podia mais sorrir, gritava numa de suas línguas novas, que não era entendida. E desfalecendo voltava à consciência; e torturado outra vez, era como se não fosse com ele. Quebraram o amor em mil partículas e ninguém pode ver as partículas.
Foi sepultado formalmente no fim do mundo, que é pra lá da memória. Ninguém localizou, mas todos falavam nele, o amor virou um sonho, uma constelação, uma rima e todos falavam nele.
E ressuscitou no terceiro dia.
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p.s.: Odisséia, Carlos Drummond de Andrade
Mestre Drummond, mais uma vez, me traduz integralmente.
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2 comentários:

Anônimo disse...

Adão,


O amor quase sempre é torturado.


Quando não, torturante.


Abraços, flores, estrelas..


Adorei as fotos do orkut, daquela criança maravilhosa!

Anônimo disse...

parabens
amei

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