sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

Como nasce uma estrela?


"Imagine uma imensa nuvem escura e que flutue no espaço vazio. Pouco a pouco, em parte por uma pequena ação gravitacional, a nuvem de gás começa a condensar-se ao redor desse ponto de maior densidade.
Esta nuvem torna-se mais quente, pois o gás assim comprimido tende a esquentar-se ....mais tarde, no interior da nuvem encontramos uma bola incandescente 20 vezes maior que o sol e 100 vezes mais brilhante que este.
O calor em seu interior é suficiente para produzir reações termonucleares com o hidrogênio do núcleo.
Acaba de nascer uma estrela... "


Era o mês de abril de 1965. Apenas treze meses após chegar ao Rio de Janeiro, vinda de um bairro operário de Porto Alegre, uma gaúcha de 20 anos fazia uma ligeira retrospectiva de sua curta trajetória em meio à gritaria da platéia de um teatro do Guarujá, litoral paulista, que assistia de forma entusiástica ao primeiro Festival de Música Popular Brasileira, promovido pela TV Excelsior.

-Será que eu vou conseguir? A pergunta rondou a mente da menina, lembrando a primeira tentativa de enfrentar o palco, no longínquo programa dominical , o “Clube do Guri” transmitido pela rádio Farroupilha, quando ela não conseguiu abrir a boca. Era tímida, estrábica, carecia de maior autoconfiança mas tinha uma certeza: queria cantar.

Esta determinação sempre fez que enfrentasse todas as adversidades: a infância sem muitos recursos, o controle excessivo da mãe, a discriminação ao ofício de cantora naquela época, a conciliação dos estudos com o canto, a responsabilidade de ser arrimo de família, aos treze anos, graças à música.

Mas ela tinha vencido todos os obstáculos: do primeiro fracasso, no “Clube do Guri” havia se transformado na grande estrela-mirim do programa. Aos treze anos, assinou o primeiro contrato profissional com a Rádio Gaúcha, aos dezenove anos já havia gravado três discos, abandonado o sonho materno de se tornar professora e, graças ao sucesso alcançado em Porto Alegre, havia decidido alçar maiores vôos, vindo para o Rio de Janeiro.

Na cidade, ela chega num momento paradoxal: enquanto a música renovava-se irremediavelmente com a bossa-nova, as liberdades do cidadão eram cerceadas com o golpe militar de 64. Conseguiu contrato com a Tv Rio, e apesar de forasteira, graças ao seu talento, brilhou no reduto maior da bossa-nova carioca: o beco das garrafas.

Ela sabia que um longo caminho havia sido percorrido num curto tempo. Já havia conquistado Porto alegre e alguns setores do Rio de Janeiro. Mas ela queria mais. Seu talento exigia mais. Para tanto, era preciso que ela abandonasse a guria tímida e insegura do passado e libertasse todo o seu talento, condensado em si mesma, soltando todo o clamor de sua poderosa voz.

Com estas reflexões, Elis Regina de Carvalho Costa, 20 anos, tímida, estrábica, insegura e muito nervosa, subiu ao palco do teatro, carregou nos tons graves a primeira estrofe de “Arrastão” : “Eh, tem jangada no mar , Eh, eh, eh, hoje tem arrastão” , respirou na parte suave da música: “Minha Santa Bárbara, me abençoai, quero me casar com Janaína...”, encheu-se de coragem para condensar todo o desejo de vencer em seu peito e explodir na estrofe final: “ prá mim, valha-me Deus, Nosso Senhor do Bonfim...”

E o público, num verdadeiro transe hipnótico até então, explodiu junto com Elis em palmas e lágrimas, em gritos e vivas.

Elis ganharia o Festival. E ali acabava de nascer uma estrela.

O resto tornou-se história. História do Brasil e de nossas vidas.



Este texto faz parte da blogagem coletiva, proposta pela Jornalista gaúcha Vera Fróes, do Verdes Verdades, em homenagem aos 25 anos da morte da "Pimentinha". Visitando o blog dela, você poderá ver a relação de todos os blogs que fazem parte desta justa homenagem. Viva Elis!

Fontes:

http://www.hot100brasil.com/newrelpage.html
http://www.ufrgs.br/jornal/janfev2002/cultura.html#topo
http://www.mpbnet.com.br/musicos/elis.regina/
http://www.terrabrasileira.net/folclore/manifesto/cantores/elis.html
http://www.jornalismocultural.com.br/musica/excelsior1965.htm

27 comentários:

Anônimo disse...

olá, vim aqui atraves do blog da Vera.
Eu gosto de música, não me ligo muito aos cantores..mas gostei de saber um pouco mais sobre ela.. vencendo as barreiras para alcancar os sonhos.
abracos.

Vera F. disse...

Adão, me arrepiei com a descrição da participação dela no Festival. Realmente ali ela arrebatou o público. Ela virou uma estrela e uma estrela não morre!
Lindo o seu poste.

Obrigada por participar!

Bjos.

Anônimo disse...

Flehr.

Vim logo (quase cedo). Já estava com coceira de curiosidade sobre esse post.
Elis está, aqui comigo, sempre.
Às vezes ela mesma canta em um dos cds espalhados pelo quarto, às vezes canto eu, em silêncio.
Porque o que eu tenho de fã, tenho de desafinada.
Lindo, lindo, uma gaúcha cantando uma música tão baiana e ganhando um festival em São Paulo. Isso é tão Brasil... Adoro, sabe disso, né?

Eu tenho um amigo, que um dia me disse (há muitos anos):
- Me arrepio ouvindo Elis cantando até parabéns pra você, Lidiane.

E eu só consegui balançar a cabeça, numa concordância muda.
Queria ter dito, eu também.
Mas ele sabia.
Então, fui embora cantando baixinho, pra ninguém ouvir:
"as aparências enganam, aos que odeiam e aos que amam, porque o amor e o ódio se irmanam na fogueira das paixãoes..."

Essa é uma das músicas da minha vida.

Um beijo pra você.

Anônimo disse...

Adao

Excelente teu post.

Imagine a emocao dela naquele momento.

Abracos

Anônimo disse...

Bom dia.....

Puxaaa...sensacional o post...
E VIVE!!!!!!!
Bjs...

Renata Livramento disse...

Adão,
adorei seu post, senti a emoção...
mesmo não tendo participado muito desta época de ouro da música (eu ainda era pequena), acabei virando fã! nunca é tarde para o bom gosto, né! rs...
prazer em conhecer vc e seu canto, virei visitá-lo em breve.
passa "lá em casa", tb...
bj

Sheherazade disse...

Adão,
O seu post sobre a Elis ficou maravilhoso. Parabéns!
Vera me mandou aqui e eu gostei do que ví.

Um abraço!

Claudinha ੴ disse...

Ei Adão! Eu também faço parte da blogagem coletiva. Gostei demais da sua maneira de descrever o festival, eu vi parte deles pela antiga tv de meu avô. Era muito criança para entender, mas gostava. Depois de crescida pude rever coo verdadeira fã. Muito legal a sua participação. Um beijo!

Anônimo disse...

Adão! Vc me fez chorar. E não é a primeira vez. Assim não vale!
Eu AMAVA a Elis e toda homenagem ao seu talento e a sua memória é super válida!

sds / Léa

Anônimo disse...

Adão:
Vi o Festival ao vivo, na TV. A Elis mais parecia um avião, girando os braços, mas a voz e a música marcaram.
Você tem razão: ali nascia não uma estrela, mas a nossa maior estrela.

Anônimo disse...

Adão: O contador de estórias!!!!
Eu e Bia criamos este apelido para vc, depois de lermos e nos emocionarmos com o seu texto.
Elis cantou uma parte da trilha sonora da vida de quem tem mais de 30 anos, atualmente.
Ela é mesmo única e sua arte a tornou imortal!

beijinho
Cris

Anônimo disse...

Muitissimo bem lembrado: Elis com Arrastão era de arrepiar mesmo! Acho que nem o Edu Lobo contava com uma interpretação daquelas.
Uma bela homenagem.
Abraços

Anônimo disse...

Lindo, Lindo mesmo!! Fiquei também arrepiada!!

Parabéns Adão, e salve Elis!

Beijo

Anônimo disse...

Adão,
A Elis foi realmente a nossa estrela maior da música brasileira.
Foi a nossa maior Diva.
E o seu texto mágico, me levou para uma época em que eu não havia nem nascido, e só conheço de imagens. Emocionante.
Bjs
Aninha

Anônimo disse...

Eu vivi Elis e tambem morri Elis.
P´ra entender essa vida e morte de Elis é preciso ter estado lá, quando ela ainda brilhava nesta terra e nos permitia ser iluminados pelo seu brilho ofuscante, e hoje estar aqui a procura de algum brilho que possa nos ofuscar.
Todas as vezes que procuro esse brilho ofuscante e me sinto triste ouço a musica que seque abaixo, e que espero que todos ja tenham ouvido na interpretaçao de Elis, se nao ouviram por favor ouçam.
Elis é, foi e será sempre maravilhosa.

Aos Nossos Filhos
Elis Regina
Composição: Ivan Lins/Vitor Martins

Perdoem a cara amarrada,
Perdoem a falta de abraço,
Perdoem a falta de espaço,
Os dias eram assim...

Perdoem por tantos perigos,
Perdoem a falta de abrigo,
Perdoem a falta de amigos,
Os dias eram assim...

Perdoem a falta de folhas,
Perdoem a falta de ar
Perdoem a falta de escolha,
Os dias eram assim...

E quando passarem a limpo,
E quando cortarem os laços,
E quando soltarem os cintos,
Façam a festa por mim...

E quando lavarem a mágoa,
E quando lavarem a alma
E quando lavarem a água,
Lavem os olhos por mim...

Quando brotarem as flores,
Quando crescerem as matas,
Quando colherem os frutos,
Digam o gosto pra mim...

Digam o gosto pra mim...


Abraços ao grande amigo.
Abraços aos admiradores de Elis.

@David_Nobrega disse...

Elis era igual a....Elis. E só Não há comparações possíveis não é?

Um abraço.

Anônimo disse...

Adão,
Nossa!!que emoção!! Eu vi esta apresentação algumas vezes na Tv, mas da forma que você descreveu, simplesmente me transportou para aquele momento!
Nunca fui muito ligada na Elis, apesar de gostar muito de tudo que ouvi dela. Lindo texto o seu!


Beijos

Anônimo disse...

Adão
Não pude comentar ontem, mas faço questão de fazê-lo hoje.
Eu tinha 20 anos na época da sua morte e lembro da comoção da época, bem como de que como eu chorei pela sua perda.
Ela era uma predestinada e é uma pérola do meu tesouro íntimo de memórias afetivas.
Seu texto está extraordinário, emocionante! Pababéns!

Bjs,
Bia

Anônimo disse...

Caro Adão,
Emocionante ler seu texto sobre um momento especial da carreira da pimentinha.
Ela se foi muito cedo, e numa época de "tchutchucas" e "Cátias catchaças" as novas gerações precisam saber dela.
Pena que pouco se divulgou sobre a data. Eu não soube de nenhum evento em comemoração ao 25 anos da morte dela.
Por estas e outras é que falam que nós somos um povo sem memória.

um forte abraço,

Anônimo disse...

Adão


Sem palavras! Depois de ter lido seu texto, corri para ouvir Elis!


Beijos

Anônimo disse...

Adão,
Lindo texto, linda homenagem parabéns para você e para a Vera.
Elis é talvez a nossa maior cantora de todos os tempos.

Beijos

Lidiane disse...

Prometeu, tem de cumprir.
risos
;)

Cadê, hein?
Acordei e vim ver a novidade, mas...

Eliana Tavares disse...

Já li esse post algumas vezes e em todas elas a emoção foi crescendo e cheguei ao final completamente arrepiada! A forma como você escreveu passou a emoção da platéia, como se estivéssemos vendo Elis no festival!
Grande post!
Beijos emocionados

Tamara Queiroz disse...

O palco não conta apenas com a voz dela. Conta também com o jeito Elis de ser, o jeito de estar, à maneira de olhar... TUDO. Realmente, a gente vê um fidelíssimo sacerdócio sendo apresentado.

Definitivamente, ela conseguiu ser ELIS REGINA {rs}!

Anônimo disse...

Adão,

Não sou da época dela, mas eu me emociono com a aquela voz divina que ela tinha.
O seu texto além de belíssimo me deu algumas informações que eu não sabia!!

Bjs
Aline

Anônimo disse...

SENSACIONAL!!!!!!!!!
PERFEITO!!!!

Tal qual ela o é.

Vc trouxe à memória, essa pequena grande mulher que abria os braços coo se pra abraçar ao seu público fiel..

Acompanhei boa parte de toda carreira dela e se hoje, estou ligada à música, devo ao talento dessa garganta privilegiada.
Parabéns pelo texto belíssimo.

Anônimo disse...

Amigo Adão,

Eu estava fora, cheguei neste fim de semana. Estou colocando a casa em ordem para este novo ano e já fazendo contato com seu blog, que está cada vez melhor, muito bacana mesmo!

Este texto sobre Elis e o festival é de arrepiar. Excelente!

Abs

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