quinta-feira, 26 de outubro de 2006

Pobre, semi-analfabeto e sem dentes


imagem: Lost two teeth (by frecklefaced29)

E então a esperança venceu o medo
- este nosso etéreo inimigo cotidiano –
e milhares, milhões de nós
saímos à rua
para comemorar,
respirar os novos ares
enchendo o peito
aliviados, pressurosos e contentes
éramos pares diversos
com uma fé ímpar
do professor universitário
ao catador de lixo,
pobre, semi-analfabeto e sem dentes

Mas depois, a decepção venceu a esperança
- esta nossa eterna musa intangível –
e milhares, milhões de nós
não fomos à rua
para questionar,
o porquê da mudança dos ventos,
encolhendo o peito,
de inopino e paulatinamente,
o ar mudou de aroma,
- o que havia de errado
no reino da Dinamarca?
a prioridade virou demagogia
e o povo virou invulgar objeto:
pobre, semi-analfabeto e sem dentes

E logo, da decepção nasceu a pergunta
- calada no fundo de corações e mentes –
e milhares, milhões de nós
saímos à rua
para entender,
como venderam tão barato
o que nos era mais caro
e o porquê de não rejeitarmos
aqueles que fariam tanto por nós
e fizeram apenas muito por si mesmos
A resposta chegou imediata, quase num repente
que o pipoqueiro da esquina arrastava
em seu sotaque de retirante nordestino - mais um! -
e o pipoqueiro, entrementes
é pobre, semi-analfabeto e sem dentes

“- Eu não voto em Doutor, não, meu chefe!
eu voto em quem faz alguma coisa por nós,
Os donos de bancos, fábricas e fazendas
não tem tempo para escutar a nossa voz...

Eu voto em quem como eu, passou necessidade
de comer hoje, sem saber se terá para o outro dia,
em quem tem alguma coisa além da maldade
e do descaso, em quem nos fale de alegria ...

Eu voto em quem acena com alguma esperança
seja com aperto de mão ou bolsa-família,
em quem me arrume um teto para por as crianças
e não me importa se este é presidente ou chefe de quadrilha...”


E junto dele estão sua esposa e filho
e eles vivem embaixo de um viaduto,
à margem da avenida e da sociedade
mas são milhares, milhões assim
nas ruas, na favela, nos campos
sem questionar o que é verdade ou demagogia
buscando apenas o que
os faça sobreviver
por mais um dia
E encaro a realidade inclemente
e encaro o pipoqueiro e o seu filho,
que também é
pobre, semi-analfabeto e sem dentes

E então, da resposta nasceu a constatação:
- de quatro em quatro anos se constrói uma nação-
e milhares, milhões de nós
irão domingo às ruas
para escrever
mais quatro anos
em nosso futuro
e o futuro, presentemente
flutua ao vento, sobre os esgotos e os rios,
sob os céus de carmim do país
o futuro é espelho do presente
e ele nos encara e sorri:
pobre, semi-analfabeto e sem dentes...


20 comentários:

Anônimo disse...

Adão.

Apesar de ter ido votar cedo e de ter convicções firmes sobre a democracia, espaço público e poder, pensei o dia todo.
E sempre penso sobre política.

Seu texto, hoje, é a continuídade da minha própria dialética. Eu, conversando comigo mesma.

Lembrei da magnífica Elisa Lucinda:

Dirão: "Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo o mundo rouba" e eu vou dizer: Não importa, será esse o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a
quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês.
Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau.

Dirão: "É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde
o primeiro homem que veio de Portugal".
Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal.
Eu repito, ouviram? IMORTAL!
Sei que não dá para mudar o começo

mas, se a gente quiser, vai dá para mudar o final!

Eliana Tavares disse...

Espero, do fundo da minha alma brasileira, que esse seja apenas o final de um belo poema, meu amigo! Espero e trabalho! Trabalhemos! Beijos e uma excelente semana!!!!

Tamara Queiroz disse...

Um dia, todos serão ricos, alfabetizados e sorrindo com todos os dentes na boca? Um dia, eu vou morrer de rir {se eu morrer sabendo disso, seria ótimo!} me lembrando dessas coisas que acontecem hoje, mas não mais existirão amanhã?

........
Adão,

quero um livro seu. Quando você vai "juntar" suas preciosidades num livro, hein?

PA-RA-BÉNS, cada vez mais eu gosto de te ler.

Smaaaaa-ck.

Anônimo disse...

Adão,
Mesmo quando discordo do que dizes no conteúdo, continuo te admirando na forma.
Tenho certeza que desejamos o melhor para o nosso país.
Por ora uma linda noite estrelada.

bjs / Léa

Anônimo disse...

Eu estou de luto!

Anônimo disse...

Seu moço,
Demais este texto!
Apesar de achar que a alternativa seria bem pior!!!
Deveremos, nós mesmos, trabalhar, fiscalizar, cobrar, para podermos construir um país diferente.

beijos,
Cris

Anônimo disse...

Tem algo de errado no reino da Dinamarca???? e na República do Brasil??? Será que ninguém responde???
Espero que o futuro seja mais animador!!!! Que não seja pobre, analfabeto e desdentado...

Bjs,

Anônimo disse...

Meu amigo,
Eu sabia que econtrariam algo aqui a respeito das eleições. Disse tudo. É isto aí.
Temos que nos render à votnade da maioria, como deve ser em toda democaracia.
Mas isto não quer dizer que o governo eleito possa fazer o que quiser, novamente. Vamos cobrar atitude e responsabilidae. Acredito que desta forma estaremos fazendo a nossa parte.

Um forte abraço,

Vera F. disse...

Adão, se quem tem estudo, informação e a boca cheia de dentes não sabem se organizar para reivindicar(só ficando nas reclamações que não levam a quase nada), o que esperar dos que são destituídos de quase tudo?

Lindo texto, como sempre, aliás.

Bjos.

Anônimo disse...

Adão,
"O passado é uma roupa que já não serve mais".
Vamos construir um futuro, imediato e mais distante, para nós mesmos e para os nossos filhos!

Beijo,
Bia

Anônimo disse...

Adão,

A Cris me falou de seu blog, e aqui estou. Lembra de mim? Você escreve bem e concordo com o que disse sobre o futuro de nosso país...

um beijo, Lívia

Tamara Queiroz disse...

Ãaahn, sabe uma coisa que eu não entendo bem, Adão? A palavra democracia. O que é democracia? É, simplesmente, votar em quem eu quero; aliás, cada um vota em quem quer, né? No fim, elege-se o mais votado, quem levou a maioria? É só isso?

Todos nós estamos sujeitos ao erro, o cara que é votado e, principalmente, quem vota. De repente, a gente até se engana e vota na pessoa errada. Ou ainda, a pessoa votada se torna outra... e aí? Como agimos? Ficamos apenas assistindo TVs e lendo jornais, dizem "óoo"? Só reivindicando, como citou a Vera? Eu gostaria, sinceramente, de ir muito mais além, mas... neste país nem greve dá mais certo, imagine...

Digo e repito: eu sou uma pessoa que não espero nada {porque aprendi que quanto mais expectamos mais nos decepcionamos!}, sobretudo, esperanço tuuuudo.


PS: Voltei de saudade.

B-jos.

Jôka P. disse...

Perfeito, Adão !
abç!

Anônimo disse...

Adão,

Adorei! Beijos de fã!

Anônimo disse...

Adão querido, não estamos madurecidos o suficiente para a democracia, mas como amar se aprende amando, acredito que o exercício nos fará mais politizados, com o tempo. Não devemos desmerecer queM votou em um ou outro, e sim, como já foi dito aqui, respeitar a vontade da maioria, democraticamente, e trabalhar por este nosso país.

um carinhoso beijo,

Anônimo disse...

Adão,

O seu texto é bárbaro, mas continuo acreditando que merecemos (e construiremos!) um futuro de cores mais alegres do que as que você pintou!


beijo,

Anônimo disse...

Adão, Eu juro que vou tentar, mas esta galera que foi eleita e reeleita é de amargar!!!! Arrghhhh

Anônimo disse...

Adorei!!!

Anônimo disse...

Oi pai
é o Felippe achei o texto legal
oi pai o gabriel seu texto e
muito legal.


abçs
Tchau

Anônimo disse...

querido Adão,
Veja se lembras desta frase: "Não temas, mesmo que estejas na hora mais escura da noite. Pois, a hora mais escura prenuncia o mais belo alvorecer. " Pois é, eu ainda e sempre, acredito firmemente que nada acontece por acaso e se estamos passando por um momento crítico como nação é porque deve acontecer, para preceder um momento melhor que eu acredito, virá.

Um belo final de semana,

Samara Dias

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