domingo, 9 de julho de 2006

A vingança dos medíocres

“...Nesta copa, os times que jogaram bonito estão voltando para a casa...”
(Luís Felipe Scolari, antes da sofrida partida com a Inglaterra, em que sua equipe obteve a classificação nos pênaltis, no momento em que defendia jogar para obter bons resultados)



“...”O povo gosta é de vitória, eu também gosto de futebol bonito, mas primeiro quero ser campeão do mundo. Show não ganha jogo.”
(Carlos Alberto Parreira, antes do fiasco da partida com a França)


Nada foi premeditado. As coisas foram acontecendo naturalmente, de uma forma quase imperceptível. Do romantismo e amadorismo do começo, o futebol ao longo dos anos foi se profissionalizando e tornando-se cada vez mais pragmático. Contudo, até meados dos anos 60, ainda se comprava os uniformes a granel e o dirigente puxava do bolso o bicho pela vitória.

Foi a partir dos anos 70 que as mudanças neste esporte foram acelerando e se acentuando. Vários fatores independentes e interligados, foram fomentando a mudança, seja com a ascendência da cultura da preparação física do atleta, priorizando o aspecto físico ao técnico, seja com o vislumbre das oportunidades de um mercado promissor, por parte das fábricas de material esportivo, ou com a necessidade do patrocínio de empresas aos clubes , ou ainda com a necessidade de uma gestão profissional que movimentasse o futebol como um negócio, como ele é hoje concebido, ou mesmo pelos caprichos quaisquer dos deuses do futebol.

O campo de jogo ficou menor devido ao melhor condicionamento físico dos atletas, o uniforme ficou mais leve e de rápida secagem, a bola ficou mais rápida, devido às novas tecnologias desenvolvidas pelos fabricantes.

Os jogadores passaram a ganhar “o seu peso em ouro”. Primeiro os países árabes, com os petrodólares, depois os países europeus, com sua estrutura altamente profissional e sua moeda forte, tornaram-se importadores de talentos, talentos estes que passaram a ser remunerados como os principais executivos de qualquer empresa.

Nada contra. Qualquer mudança sempre será bem-vinda quando significar evolução, mas ao longo do processo algo se perdeu.

O futebol, inventado na Inglaterra e reinventado no Brasil, mudou o foco, das duas únicas escolas que realmente contam no futebol mundial, prevaleceu a escola européia, dura, feia, de resultados, quase que puramente atlética, sobre a escola sul-americana, lúdica, empírica, gingada, artística... A mediocridade priorizada sobre o talento...

O drible feneceu, as jogadas de linha de fundo escassearam, as tabelinhas esconderam-se, o passe de longa distância murchou, os heróis tornaram-se raros... O amadorismo, na acepção da palavra desapareceu, não há mais dedicação ao ofício por prazer, muito pelo contrário, amador atualmente significa estar num nível inferior, e caso haja algum problema com a remuneração, não se entra em campo. Aliás, como em qualquer relação patrão-empregador.

A figura do técnico também sofreu modificações. Supervalorizou-se. Atualmente o técnico é considerado por senso comum como o responsável direto pelo resultado de um time em campo. Tem destaque e salário iguais ou maiores aos conferidos aos nossos maiores craques. Este é um fenômeno mundial, contudo, aqui no Brasil, esta situação foi pintada em cores mais fortes. Aqui, acredita-se que caso um time perca três partidas seguidas, mudando-se o técnico resolve-se o problema. Aqui, o técnico que demorar mais de um ano em um clube, torna-se exceção. Aqui, diferentemente do resto do mundo, os grandes jogadores não lograram sucesso como técnicos de futebol. Podemos citar inúmeros exemplos: Falcão, Cerezo, Zico, Júnior, etc...

Desde Telê Santana, o último técnico proeminente que logrou sucesso no futebol, pertencente à estirpe de ex-jogadores de qualidade, temos tido hordas de ex-jogadores medianos ou preparadores físicos que mal sabem chutar uma bola, que transformaram-se em “super-técnicos”. Como se um plano arquitetado com ardileza tivesse logrado sucesso, estamos há duas décadas, incensando medíocres.

O divisor de águas foi o ano de 1986, quando levamos a geração de 82, que perdeu a copa da Espanha, a mais lamentada por nós depois da copa de 50, para o México. Talentos envelhecidos, sob a batuta de Telê, perdemos também esta copa. Foi como se um gatilho inconsciente tivesse sido disparado: “Então, não ganharemos copa alguma somente com nossos talentosos jogadores, e sim, jogando para obter resultados, defendendo-se antes de atacar, como o resto do mundo!!!” Este pensamento norteia o futebol brasileiro até hoje.

Não chegamos a disputar verdadeiramente a copa de 90, ganhamos em 94 o tetracampeonato, jogando um futebol burocrático, feio e irritante. Mas ganhamos. Pontos para pragmatismo vigente. Nas copas de 98 e 2002 levamos uma mesma geração de talentosos jogadores, jogando sob a (falta) de orientação técnica e sob uma (des)orientação tática que visava única e exclusivamente se defender, para não tomar gol. Perdemos uma copa e ganhamos a outra, sobretudo graças aos momentos de luz e sombra de nossos jogadores. Os boçais dirão: somos pentacampeões, título que nenhuma outra seleção possui! É verdade, mas eu pergunto: qual foi o último jogo de vossas recordações que vos emocionou positivamente, que eriçou os pelos de vossos braços e encheu de alegria o vosso coração?

Jogar como o resto do mundo fez com que a montanha viesse até Maomé, já que o próprio nunca iria até a montanha, ou seja, nunca o resto do mundo conseguiria jogar como nós, pois trata-se de um talento inato! Simplesmente, este foi o erro. Deixamos de privilegiar o nosso estilo de jogar futebol, para tentarmos ser os melhores no estilo “deles”, deixamos de garimpar jovens talentos, investir nestes jovens, incentivar o drible e os fundamentos técnicos, para privilegiar a preparação física, os fundamentos táticos.

Hoje, as estrelas são os técnicos e seus “4-4-2”. Os mesmos técnicos que no passado nunca passaram de esforçados jogadores, no máximo. Teriam eles de alguma forma se reunido para assumir o “poder” e conseguir o reconhecimento e a aclamação nunca antes experimentada? Teriam eles urdido tão macabra vingança? Seja ou não uma inócua e descabida “teoria de conspiração” o fato é que estamos sofrendo as conseqüências de todas estas mudanças até hoje, estamos sendo aviltados numa paixão que extrapola os limites esportivos para nós, brasileiros, que é o futebol.

2 comentários:

Anônimo disse...

Adão,
Faz muito tempo que não tenho uma emoção forte com o futebol realmente. Gostei do texto, eh uma radiografia de um dos principais problemas de nossso futebol.

um forte abraço,

Anônimo disse...

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